Virou moda, ultimamente, a promoção de passeatas, caminhadas e outros eventos, pela paz. Só que há um equívoco no móvel destas iniciativas. A opinião pública confunde conseqüência com causa. Melhor dizendo, quer eliminar a conseqüência (pobreza, miséria, violência) sem combater a única causa, a injustiça. Outro equívoco é associar a consecução da paz à eliminação da violência. Esquecem-se simplesmente da justiça. E não se trata aqui de justiça relacionada ao judiciário. O clamor pela paz deve ser associado ao pedido por justiça social. A paz é uma conseqüência do reinado da justiça. E, neste contexto, justiça é a ação distributiva do Estado, concorrendo para corrigir as desigualdades sociais. A paz é fruto da justiça. Em havendo justiça social a paz estará garantida. A partir do momento em que isto seja entendido pela sociedade e pelo poder público a paz reinará entre nós. A primazia do grito, portanto, não deve ser pela paz e sim pelo banimento da injustiça social; a paz virá em conseqüência, sem grito, sem passeatas. A dificuldade, portanto, está no reinado da justiça. A concentração de renda, de riquezas, gera pobreza, miséria e numa grandeza muito maior do que a do acúmulo. Há um pensamento atribuído a Santo Antônio que diz o seguinte: riqueza é como estrume, acumulado cheira mal; espalhado gera vida. A segunda parte desta formula resolveria o problema, com certeza. Outra abordagem é sobre a tal campanha de “ fome zero “. Vejam só o quanto de oportunismo há nessa campanha. Encher a barriga dos pobres (entenda-se miseráveis) é muitíssimo mais fácil do que promover ações na direção do saneamento básico e saúde. Tá na cara, como se diz popularmente. Saneamento e saúde só se resolve com muito dinheiro e tempo e tem um ingrediente negativo para os políticos, é obra que se enterra, fica no subsolo, não recebe placa comemorativa, diferentemente de pontes, viadutos e distribuição de comida e outros subsídios eleitoreiros. Numa entrevista recente o bispo de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, D. Mauro Morelli, falou que não adianta encher o estômago e continuar bebendo água contaminada. E, também, acrescento, estar de estômago cheio, cheirando a trampa que escorre a céu aberto ao lado do barraco, também não combina. Só que a melhor urna eleitoral não é a eletrônica, é o estômago. O temor é que a partir do “ fome zero “ forme-se neste país uma geração que vai se pautar pelo receber sem dar nada em troca. Ou melhor, direito sem deveres. É, sem dúvida, o assistencialismo século 21. Esta nova bandeira é igual à do combate à seca; quanto pior para o povo, melhor para os políticos que sempre vão ter o que prometer. Em termos de dinheiro do contribuinte, isso se chama saco sem fundo. E estômago, todos sabem, a cada 6 horas, fica vazio. Que Deus me perdoe, mas isto me traz à lembrança Miguel de Cervantes, aquele que escreveu o “Dom Quixote de la Mancha “ o Cavaleiro da Triste Figura. Francamente, não é isso que desejo, e é o que peço a Deus não aconteça.
terça-feira, 18 de fevereiro de 2003
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2003
CHARQUE, BACALHAU E TAMANCO
Lá pelas décadas de 40 e 50 do século passado, quando ainda se amarrava cachorro com lingüiça e o único lazer permitido era ouvir o rádio de válvulas e ir ao cinema do bairro, a vida era dureza e pobre mesmo morava em mocambo de chão batido. Pelo menos aqui em Recife era assim.
Naquela época, em uma obra ou até mesmo naqueles antiquadíssimos escritórios, se alguém comentasse que para o almoço na sua casa naquele dia só havia feijão com um pedaço de charque ou bacalhau, a conclusão que se tirava é que aquele indivíduo estava à beira da miséria. Naquela época, também, mandar os filhos para o grupo escolar calçado de tamanco de madeira era um constrangimento e significava a mesma coisa.
Vejam só como as coisas mudam ! Charque, bacalhau e tamanco hoje são artigos consumidos pela classe média, e olhe lá ! É isso aí, os tempos são outros, e a conclusão mais evidente é que o pobre virou miserável e/ou indigente, a classe média finge que vai bem pendurada nos cartões de crédito e no cheque especial consumindo sem saber se poderá pagar as contas no fim do mês. O charque, o bacalhau e o tamanco que naquela época eram expostos nas portas das bodegas estão hoje nas prateleiras reluzentes dos supermercados, enquanto que os mocambos se aglomeraram formando favelas e as casas foram transformadas em apartamentos de conjuntos residenciais onde a sociabilidade é posta à prova a cada dia. O bonde virou metrô e ônibus, e o trem virou sucata. Anda-se de carro, é verdade, comprado a perder de vista e combustível sempre na reserva, por razões óbvias.
O dia em que os pobres do Brasil vão tomar o café da manhã, almoçar e jantar pode ser comparado com aquela batalha que o cavaleiro da triste figura travou com um rebanho de carneiros julgando ser um exército inimigo. Não é que o mundo dos sem barba não acredite nos barbudos, mas é que é muito milagre prometido para um santo só realizar em tão pouco tempo, apesar da instantaneidade característica dos milagres. O melhor juiz para tudo isso é o tempo.
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