quarta-feira, 5 de fevereiro de 2003
CHARQUE, BACALHAU E TAMANCO
Lá pelas décadas de 40 e 50 do século passado, quando ainda se amarrava cachorro com lingüiça e o único lazer permitido era ouvir o rádio de válvulas e ir ao cinema do bairro, a vida era dureza e pobre mesmo morava em mocambo de chão batido. Pelo menos aqui em Recife era assim.
Naquela época, em uma obra ou até mesmo naqueles antiquadíssimos escritórios, se alguém comentasse que para o almoço na sua casa naquele dia só havia feijão com um pedaço de charque ou bacalhau, a conclusão que se tirava é que aquele indivíduo estava à beira da miséria. Naquela época, também, mandar os filhos para o grupo escolar calçado de tamanco de madeira era um constrangimento e significava a mesma coisa.
Vejam só como as coisas mudam ! Charque, bacalhau e tamanco hoje são artigos consumidos pela classe média, e olhe lá ! É isso aí, os tempos são outros, e a conclusão mais evidente é que o pobre virou miserável e/ou indigente, a classe média finge que vai bem pendurada nos cartões de crédito e no cheque especial consumindo sem saber se poderá pagar as contas no fim do mês. O charque, o bacalhau e o tamanco que naquela época eram expostos nas portas das bodegas estão hoje nas prateleiras reluzentes dos supermercados, enquanto que os mocambos se aglomeraram formando favelas e as casas foram transformadas em apartamentos de conjuntos residenciais onde a sociabilidade é posta à prova a cada dia. O bonde virou metrô e ônibus, e o trem virou sucata. Anda-se de carro, é verdade, comprado a perder de vista e combustível sempre na reserva, por razões óbvias.
O dia em que os pobres do Brasil vão tomar o café da manhã, almoçar e jantar pode ser comparado com aquela batalha que o cavaleiro da triste figura travou com um rebanho de carneiros julgando ser um exército inimigo. Não é que o mundo dos sem barba não acredite nos barbudos, mas é que é muito milagre prometido para um santo só realizar em tão pouco tempo, apesar da instantaneidade característica dos milagres. O melhor juiz para tudo isso é o tempo.
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