sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

A ÚLTIMA PASSEATA

O ser humano, diferentemente dos outros animais, desde o seu  nascimento, e como sujeito inteligente, se depara com frequência com confrontações e contradições. Já no seu nascimento protesta com o choro contra o fato de sair de um ambiente confortável, o ventre de sua mãe, para um ambiente totalmente hostil ao qual deve se adaptar ao longo do tempo. Indiferente ao seu protesto, seu pai, acompanhado dos familiares e amigos acorrem à maternidade para vê-lo, acontecendo então a primeira passeata de sua vida em que é o protagonista. Até os doze anos, em plena formação, passeatas, protestos e reivindicações, são protagonistas desses eventos, em seu nome, os seus pais. Na fase seguinte da vida, a adolescência, começa a se interessar pelas ideias e movimentos que a sociedade se lhes apresenta e então decide participar de assembleias e passeatas; no inicio mais por curiosidade do que por razoes justificáveis. Durante o viver, então, dependendo do  seu interesse pelos apelos que surgirem, vai participar ou não de passeatas. Estes apelos apresentam-se em forma de protestos e/ou reivindicações justificadas por razões diversas, como anseios da sociedade ou contra desmandos e negligência do poder público, principalmente no que diz  respeito à educação, saúde e segurança do cidadão. Essas muitas passeatas da vida fazem parte da inquietude e insatisfação do ser humano face aos problemas decorrentes de uma sociedade insatisfeita com a sua própria degradação. Há também outra espécie de passeatas que em muitos casos acontecem fora do contexto da vida humana. São aquelas passeatas que acontecem dentro dos nossos cemitérios, anunciadas e reportadas por todas as mídias existentes. Fisicamente somos criaturas finitas sem apelação. O fim natural das nossas vidas é a maior das certezas que temos. Na última passeata, aquela da qual ninguém escapa, não há protesto; o protagonista é levado até o seu destino final, num silêncio quebrado apenas pelos cantos e preces dos seus participantes. Cumpre-se então aquilo que lhe foi dito por ocasião da imposição das cinzas em sua cabeça no início da quaresma: lembra-te homem que és pó e que para o pó retornarás. Uma certeza inquestionável.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

CARNEIRO E MAUSOLÉU


A nossa língua portuguesa muitas vezes nos surpreende com palavras desconhecidas do grande público. Em geral são vocábulos eruditos  ou, às vezes, de difícil aceitação por ignorância vocabular. Nós preferimos, para designar pessoas idosas, chamá-las de velho, e não de longevo, não obstante utilizarmos com facilidade o vocábulo longevidade. Outro exemplo é o uso do verbete “ bastante” com o significado de muito. Exemplos não faltam.
   Quando você se refere a sepultamentos fala sempre em gaveta, para significar sepultura, não é verdade? Só que você não sabe que o nome correto daquela gaveta é “carneiro”, isso mesmo, carneiro.  Aí você vai dizer: Caraca! Sempre soube que a palavra carneiro significava o animalzinho da família do gado lanígero. Pois é! Numa língua onde “pois não” significa sim, vez por outra vamos ter surpresas. Este é outro exemplo do não uso da palavra correta em determinadas situações. Seria muito estranho ouvir alguém dizer: Fulano de tal foi sepultado num carneiro, no cemitério tal. A fluência vocabular adquire-se com a leitura, qualquer leitura, não importa o gênero  daquilo que se lê. Ah! E o mausoléu? Este é uma sepultura suntuosa, nada mais do que isso. É o inverso da cova rasa. O apelo então é; adquira o hábito de ler e assim adquirirá uma fluência vocabular tão necessária no nosso convívio social.
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A CRUZ DOS DISCÍPULOS


Nós humanos somos limitados e, por isso mesmo, nem sempre somos coerentes em nossas atitudes. Muitas vezes o nosso comportamento não corresponde aos princípios que afirmamos viver. Necessitamos refletir sobre o que acreditamos e confrontar com as obras que realizamos. A constatação ou confrontação com a realidade vivida será o termômetro que nos indicará o rumo a tomar. Analisemos o comportamento dos discípulos de Jesus diante da realidade da cruz. No local onde Judas entregou Jesus aos soldados, com aquele desditoso  beijo, Pedro tem uma atitude impensada e intempestiva ao cortar a orelha do soldado Malco com um golpe de espada e é repreendido por Jesus. Esse mesmo Pedro, que é a nossa cara, e que anteriormente havia reafirmado solenemente três vezes o seu amor por Jesus, pouco tempo depois, o negará também por três vezes durante o julgamento do Mestre. Este foi o comportamento daquele a quem Jesus confiou a sua Igreja. A partir daí assumiu a atitude dos outros discípulos, fugindo daquela situação embaraçosa para eles. No contexto político em que os fatos aconteciam o prudente para eles era mesmo se esconderem e aguardarem o desdobramento de tudo o que viveram naqueles dias, acreditando nas promessas de Jesus de que ressuscitaria dos mortos. Não marcaram presença aos pés da cruz. Faltou firmeza em suas convicções e a coragem necessária que o momento exigia. Dos doze, dez preferiram esconder-se; um foi o traidor e João (o evangelista) foi o único que esteve presente no calvário, acompanhando Maria a mãe de Jesus. Referimo-nos aos discípulos de Jesus e sua mãe Maria. Com certeza muitos dos seguidores do Mestre estiveram presentes ao sacrifício de Cristo. E o detalhe de suma importância para nós ali no Calvário foi quando Jesus, antes de dar o último suspiro, dirigiu-se à sua mãe e ao discípulo João pronunciando aquelas belíssimas palavras: Mãe, eis aí o teu filho; filho eis aí tua mãe. Assim como Maria e João estiveram firmes e  presentes ao pé da cruz, sejamos nós também seus fiés imitadores na prática da nossa relação com Deus, não fugindo assim dos nossos compromissos de fé. Portanto, com Deus no coração e a intercessão de sua santíssima mãe, sejamos fiéis aprendizes dos ensinamentos de Jesus.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

CINZAS

A criatura humana nasceu do pó, pois, segundo o livro do Gênesis, capítulo 2, versículo 7, “O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, ...”. Isto significa que viemos do pó. E, como todos sabemos, voltaremos ao pó quando da decomposição do nosso corpo após a morte. Está aí definida a nossa transição sobre a terra. Não importa a condição social, a raça, seja lá o que for, todos terminaremos iguais. Nascemos em diferentes berços, mas terminamos a vida na igualdade. Na igreja católica, na chamada quarta-feira de cinzas, os fiéis participam da Eucaristia e, em dado momento é feita a imposição das cinzas em suas frontes ou cabeças. Isto tem um simbolismo marcante, ou seja, visa lembrar ao fiel a sua origem e o seu destino na terra. Antes do Concílio Vaticano II, na imposição das cinzas o sacerdote pronunciava as seguintes frases; ”Lembra-te homem que és pó, e para o pó retornarás.” Atualmente, a fórmula é a seguinte: “Convertei-vos e crede no Evangelho”. Pessoalmente, prefiro a primeira, que sendo realista, traz em si, mais forte,  o mesmo sentido de conversão. A reflexão que fica é a de que, o nosso orgulho, arrogância, preconceitos, discriminações, acumulação de bens, são deméritos do nosso viver. Seremos julgados pelo bem que não praticamos. Sobre bens acumulados ouvi, certa vez, durante uma homilia, a seguinte bem humorada  pergunta: Você já viu alguma vez, carro de funerária com reboque de mudança? Eis a conclusão; no túmulo ou no crematório o que somos mesmo é cinza.